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Olha. Voltar pro Rio. É sempre de uma intensidade. Que transborda. Me afoga. E não dá chão. Na sexta. Fui fotografar meus meninos. Que encontro pelas ruas. E antes. Decidi comprar roupa pra eles. Entro numa lojinha. Simples. Na Alfândega. E Dona Dulce. Preta retinta. De 63 anos. Me atende. Simpática toda vida. Sorrisão. Gentil. E ao sair da loja. Ela me dá um papel. E tinha o seguinte texto: Estou precisando de ajuda, faço faxina, passo, lavo, por favor me ajude. Aquilo me matou. Dona Dulce é minha avó. É tua avó. Dona Dulce é a base desse Brasil desgraçado. Ai. Volto. Encontro meus meninos. E tinha um deles. Mais agressivo. Batia nos outros meninos. Xingava. Chutava o chinelo dos outros. Sabia cantar funks proibidos. Fazia sinal com a arma. Sabia como manusear uma arma. Até que uma das crianças. Falou: Quando tu crescer tu vai virar bandido. Ele respondeu: Vou mesmo. Distribuí as camisas da seleção. As crianças ficaram felizes. Muito felizes! Mas esse menino. O mais agressivo. Disse que não queria a camisa. Porque se ele chegasse em casa. Com a camisa. A mãe dele ia brigar com ele. E não iria acreditar que ele ganhou. Ai. Meu coração partiu. Ai. Foi que eu entendi. Que existe uma mãe ali. Uma mãe preocupada. Que já leu o comportamento daquela criança. Que está receosa. Com medo. Do que pode acontecer. Que tá tentando cuidar. Do jeito que pode. Olha. Provavelmente. Uma mãe preta. Que trabalha o dia todo. Cuidando de uma criança branca. Servindo gente branca. E por necessidade. Não tem tempo de ficar com seu filho. Que fica solto por aí. O dia todo. Sujeito a violência do cotidiano. Virando uma máquina de ódio. Eu chorei. Estou falando de uma criança de 7 anos de idade. Eu fico nesse momento. Com uma frase. Do poema de Tatiana Nascimento. Me dá um pedaço do teu amor?
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